Não resta qualquer dúvida que o universo futebolístico move multidões e envolve milhões. Seja o facto de nos estar no sangue, ou tão só um fator cultural, poucos são os que ficam indiferentes ao ambiente que se gera dentro ou fora das quatro linhas. Ao ver o filme Historias de fútbol, realizado por Andrés Wood, confirmei que o meu encanto pelo futebol permanece na paixão em torno da bola, e, portanto, distante dos holofotes da ribalta de todo a polémica e negócio que o futebol é cada vez mais.
Nesse sentido, narro duas situações distintas, mas com identidades semelhantes.
- Recuaram o muro da minha escola primária. Talvez uns dois metros. Juntamente com a terra, levaram uma das balizas, aquela que ficava sobre a berma da estrada. Era uma baliza como todas as balizas da infância, feita em o espaço abstrato da vontade das crianças, delimitada apenas por dois rebos assentes no chão à distância de uns pequenos passos. E as bolas de capão que escapavam ao alcance daquele que ficava a guardar a baliza e gritavam golo a pulmões abertos? Onde permanecem, agora que levaram a baliza? Como se não bastasse as paredes da minha escola apenas se limitarem a guardar as límpidas alegrias de outrora.
- campo do outeiro de fogo. fc tagilde vs atães fc. o sol entre os eucaliptos. o homem do apito traz a bola debaixo da camisola azul celeste. vendo bem a coisa até suplentes traz. primeira divisão do futebol popular. há anos que não venho à bola, penso. pontapé pra frente todos aos molho e fé nas redes à volta do campo, pensam os apanha bolas e os donos dos carros estacionados. tens a bola nas mãos mexe mexe, chuta o treinador dos visitantes. capricha, alivia um dos defesas para um dos médios. canto. cabeça ao primeiro poste. golo dos da casa. tudo corre para o camisola oito. o massagista dos visitantes é forçado a entrar em cena. atravessa o campo a correr como as mulheres com as cuecas em baixo aflitas pra mijar. dois valeiros no meio campo, de um lado batatas do outro cebolas, finta um espectador com toques de agricultor de bancada. mais concentração caralho mais concentração, marca em cima o patrão da defesa. estamos mortos foda-se, sentencia.