sábado, 25 de janeiro de 2014


     Não resta qualquer dúvida que o universo futebolístico move multidões e envolve milhões. Seja o facto de nos estar no sangue, ou tão só um fator cultural, poucos são os que ficam indiferentes ao ambiente que se gera dentro ou fora das quatro linhas. Ao ver o filme Historias de fútbol, realizado por Andrés Wood, confirmei que o meu encanto pelo futebol permanece na paixão em torno da bola, e, portanto, distante dos holofotes da ribalta de todo a polémica e negócio que o futebol é cada vez mais.
     Nesse sentido, narro duas situações distintas, mas com identidades semelhantes. 




  1. Recuaram o muro da minha escola primária. Talvez uns dois metros. Juntamente com a terra, levaram uma das balizas, aquela que ficava sobre a berma da estrada. Era uma baliza como todas as balizas da infância, feita em o espaço abstrato da vontade das crianças, delimitada apenas por dois rebos assentes no chão à distância de uns pequenos passos. E as bolas de capão que escapavam ao alcance daquele que ficava a guardar a baliza e gritavam golo a pulmões abertos? Onde permanecem, agora que levaram a baliza? Como se não bastasse as paredes da minha escola apenas se limitarem a guardar as límpidas alegrias de outrora.

  2. campo do outeiro de fogo. fc tagilde vs atães fc. o sol entre os eucaliptos. o homem do apito traz a bola debaixo da camisola azul celeste. vendo bem a coisa até suplentes traz. primeira divisão do futebol popular. há anos que não venho à bola, penso. pontapé pra frente todos aos molho e fé nas redes à volta do campo, pensam os apanha bolas e os donos dos carros estacionados. tens a bola nas mãos mexe mexe, chuta o treinador dos visitantes. capricha, alivia um dos defesas para um dos médios. canto. cabeça ao primeiro poste. golo dos da casa. tudo corre para o camisola oito. o massagista dos visitantes é forçado a entrar em cena. atravessa o campo a correr como as mulheres com as cuecas em baixo aflitas pra mijar. dois valeiros no meio campo, de um lado batatas do outro cebolas, finta um espectador com toques de agricultor de bancada. mais concentração caralho mais concentração, marca em cima o patrão da defesa. estamos mortos foda-se, sentencia.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Há memórias que se tecem sobre o caminho feito.

   
     As caminhadas já tiveram melhor dias. Após algumas mortes mediáticas, sobretudo durante a prática desportiva e devido a problemas cardiovasculares, iniciou-se uma verdadeira caça à caminhada coletiva. Sim, porque parece que só em bando é que aquilo ia avante. Ora, como tudo o que não parte de um propósito intrínseco, essa febre tem vindo a diminuir drasticamente. Tudo isto para dizer que a ideia de um novo espaço de escrita aconteceu em plena caminhada.
     Caminhar é uma das melhores metáforas da vida. Nascemos sem a capacidade de tal e, à medida que o corpo envelhece, a mesma se desvanece. Entre ambos os estádios, propicia-se todo um processo de aprendizagem.



     
     Entre os passos há memórias que se tecem sobre o caminho feito.


Meteu os pés aos carreiros que guardam os seus passos de criança. Quase todos sofreram a erosão do tempo, alguns viram mesmo as suas marcas apagadas para sempre, exceto nas memórias da infância. Permanece absorto em uma nostalgia, até sentir os ouriços caídos entre as ervas abrirem-se, sob as solas dos sapatos. Debruça-se sobre as castanhas, a maioria precoces, e cai no movimento dos raios em torno do início da adolescência. O outono das tardes de sábado sobre a bicicleta, e os sacos abarrotados delas, as castanhas. As asas suportavam-lhe toda e qualquer aventura.